Entrevista concedida à restauradora Magali Sehn para a base de dados do INCCA (International Network for the Conservation of Contemporary Art)
Entrevista realizada em 2009 como parte do programa INCCA (www.incca.org). Trata-se de uma base de dados com duas formas de acesso à informação: a primeira contém informações que são de livre acesso ao público; a segunda forma só é acessível aos membros que contribuem com pesquisas, documentação, entrevistas, em geral não publicadas, para troca de informações. A entrevista com Manoel Veiga foi realizada, não apenas com o objetivo de compartilhar com os colegas da plataforma INCCA, mas por ter sido necessário solicitar sua ajuda por ocasião da restauração de uma obra. Assim, disponibiliza-se a entrevista na integra , apresentando tópicos centrais como: métodos de trabalho, utilização de materiais, envelhecimento, documentação e conservação e restauração. A sequência de tópicos e perguntas foi elaborada com base no modelo elaborado e sugerido pelo projeto INCCA.
SOBRE A ENTREVISTADORA:
Especialista em conservação-restauração de obras modernas e contemporâneas. Professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
INTRODUÇÃO:
Magali Sehn : Você pode falar um pouco sobre trabalhos recentes? Alguma mudança significativa quanto aos materiais?
Manoel Veiga:
Trabalho com tinta acrílica sobre tela e quase não uso pincéis, isso já há 8 anos. No trabalho anterior utilizava os mesmos materiais mas a pintura era construída com pincel, embora sem firulas gestuais.
MS: Como Desenvolves a ideia? Com desenhos prévios, maquetes, etc. Em que material?
MV: Não faço esboço, não faria sentido já que meu processo envolve o acaso, faço apenas testes de cor em pequenos pedaços de tela.
MS: Você segue o desenho e suas dimensões de maneira fiel ao projeto ou vai variando durante sua fabricação?
MV: Mesmo tendo feito testes de cor, posso alterar um pouco as misturas ao longo do processo.
MS: Os testes de cor podem ser considerados obras acabadas?
MV Inicialmente não considerava os testes de cor como obras acabadas mas fui guardando vários ao longo do tempo para servirem como referência/consulta futura. Mais recentemente comecei a pensar em conjuntos desses testes como obra acabada. Isso está em processo.
MS: Trabalhas pessoalmente em todos os processos de realização de uma obra? Tens algum ajudante? Que tipo de trabalho realiza?
MV: Não tenho ajudantes.
MS: Assinas as tuas obras? Que significado tem para você a assinatura nas obras de arte?
MV: Assino apenas na parte de trás há muitos anos, pelo menos de 1998 em diante.
MATERIAIS E TÉCNICAS
MS: Você mencionou que utiliza tinta acrílica. Alguma marca específica? Tens acrescentado novos materiais? Por quê?
MV: Há vários anos uso uma série de tintas da Windsor & Newton chamada “Finity”, porque tem grande qualidade de pigmentos e porque cada tubo contém apenas um tipo (família química) de pigmento. Meu processo de trabalho requer esse controle pois trabalho usando as propriedades físico-químicas dos materiais.
BASES DE PREPARAÇÃO E FUNDOS
MS: Qual o tipo de preparação que você usa para suas pinturas? Você compra preparadas e esticadas ou você mesmo prepara?
MV: Compro tela de algodão em rolo, já preparada com base universal acrílica. O fabricante é a Fedrix, dos EUA.
MS: Você usa a base de preparação branca apenas como fundo ou você aplica camada de pintura branca sobre o fundo? Neste caso, qual o tipo de pintura normalmente usada?
MV: Até o ano passado não usava pigmento branco na pintura. Todo o branco que aparecia no resultado final era a preparação acrílica inicial. Recentemente, o processo tornou-se mais complexo e passei a introduzir a base acrílica como se fosse tinta branca, gerando relações mais complexas entre o fundo inicial e as camadas de cor subsequentes.
CAMADA DE PINTURA
MS: Como as qualidades visuais do material (cor, textura, brilho, opacidade, transparência, textura, etc.) determinam o significado da obra?
MV: No meu caso, as propriedades visuais dos materiais, por si sós, não determinam o significado final das obras mas contribuem para ele na medida em possibilitam a criação de relações complexas de planos na superfície e destes com o fundo.
MS: Você aplica camada de proteção como, por exemplo, verniz?
MV: Não.
MS: Eu gostaria que você descrevesse como você aplica a pintura? Quais os recursos que você utiliza? Já montada no chassi? Posição?
MV: Para trabalhar estico a tela num compensado cuja área é aquela da imagem final mais um pequeno acréscimo para que as laterais fiquem pintadas uma vez a tela esticada no chassis. Depois o compensado com a tela vai para o chão onde permanece até o final do processo. A pintura é aplicada com pincel, seja tocando, seja deixando-a escorrer. Na sequência há um contato mínimo meu com a pintura, sendo quase todo o processo indireto e a principal ferramenta é um pulverizador de jardim comum, usado para adicionar água ao longo do processo, causando a difusão da pintura por sobre a tela.
SUPORTE
MS: Qual o tipo de suporte que você utiliza? Algodão, linho, etc? Quais os motivos?
MV: Algodão. Pela relação entre custo e benefício. O ideal seria o linho pois é menos higroscópico mas é muito caro.
MS: Qual a importância que você atribui ao suporte?
MV: A pintura é um sistema e todas as escolhas de suportes e materiais se refletirão de alguma maneira no resultado final ou na permanência da obra. O suporte é o ponto de partida e por isso mesmo é fundamental, seja para o aspecto visual final, seja para a resistência da obra ao longo do tempo.
CHASSI
MS: Qual o tipo de chassi que você normalmente utiliza em tuas obras?
MV: Não uso chassis com cunhas. Os restauradores com quem conversei divergem quanto à indicação ou não desse tipo de chassis. Prefiro o fixo que, para uma dada condição meteorológica numa dada cidade, vai variar sempre da mesma forma, gerando o mesmo tipo de stress para a obra. O de cunha é mais instável e a opção de se reajustar a pressão pela rearrumação das cunhas aparece como algo temerário para muitos restauradores pois pode ser colocada tensão demais ou de menos, podendo gerar um prejuízo imprevisível para a obra. Quanto ao material do chassis, depende da disponibilidade no local onde a obra será esticada. Por exemplo, em São Paulo normalmente uso Caixeta. Em Recife ainda uso Cedro pois o preço é razoável e ainda é encontrada com relativa facilidade. O Cedro é a melhor pois é a madeira menos higroscópica.
MÉTODOS DE EXIBIÇÃO
MS: Existem condições mínimas que o espaço deve oferecer para exibição da obra como, por exemplo, condições de iluminação?
MV: Prefiro uma situação de luz difusa e uniforme no ambiente.
ARMAZENAGEM
MS: De que forma você armazena os diversos objetos? Onde? Como?
MV: No ateliê armazeno os trabalhos enrolados sobre tubos (não “dentro” de tubos) e os coloco em prateleiras abertas para que tenham sempre boa ventilação. Como a umidade em São Paulo é baixa, essa situação é perfeitamente adequada.
ENVELHECIMENTO E DETERIORAÇÃO
MS: Você teve alguns problemas de deterioração de deterioração em alguns tipos de obras? Quais as causas? Fragilidade, materiais utilizados, condições climáticas?
MV: Uma única vez soube de um cliente cuja obra foi atacada por fungos. Mas a causa óbvia foi o local onde a mesma foi instalada, numa casa de praia e sobre uma parede de pedra extremamente úmida.
MS: Consideras que o envelhecimento pode influir na expressividade das tuas obras? Pensas que o estado de conservação pode interferir na leitura da obra? Que tipo de alteração? Sujeira, rupturas, abrasões, alterações cromáticas?
MV: Não acredito que aconteçam alterações cromáticas já que uso pigmentos muito estáveis. Por outro lado, como esses trabalhos dos últimos anos sempre possuem grandes áreas brancas, me preocupo que possam acontecer riscos ou alguma mancha. Isso realmente comprometeria a leitura da obra pois seriam ruídos estáticos em relação às manchas fluidas que crio.
MS: Quais os limites aceitáveis de envelhecimento?
MV: Nesse caso só posso dizer que não gostaria que acontecesse um escurecimento excessivo das partes brancas (base acrílica da tela que aparece no resultado final).
MS: Quais os procedimentos que recomendas para a correta preservação de seus trabalhos?
MV: Simplesmente instalar a obra em parede seca e limpá-la com pincel também seco.
DOCUMENTAÇÃO
MS: Qual o processo de documentação que normalmente utiliza em tuas obras? Você possui algum arquivo?
MV: Fotografo eu mesmo toda a minha produção em alta definição (máquina digital) e guardo tudo em um banco de dados construído por mim utilizando o Microsoft Access. Lá introduzo tanto as informações técnicas como o histórico de exposições e de venda de cada obra.
RESTAURAÇÃO
MS: Você tem restaurado alguma de tuas obras pessoalmente? Por quê? Qual o critério adotado?
MV: Até hoje fiz apenas algumas limpezas nas bordas devido a manuseio descuidado em galerias. Prefiro que um restaurador gabaritado faça o trabalho, mas colaborarei com prazer sempre que for consultado, dentro do meu conhecimento do assunto.
MS: Você tem conhecimento se alguma das tuas obras foi restaurada por outra pessoa? Que opinião você tem do tratamento? Você teria feito de outra maneira?
MV: Apenas aquele caso citado acima e o tratamento foi adequado, inclusive colaborei com a restauradora aqui em São Paulo.
BIBLIOGRAFIA
MS: Você gostaria de mencionar algum ensaio, artigo ou resenha sobre a tua obra que te interessou?
MV:
2000 "Manoel Veiga - Inventário de Espaços e Tempos", Moacir dos Anjos, Fundação Joaquim Nabuco, Recife PE
2003 "Manoel Veiga - Evanescências", Guy Amado, Paço das Artes, São Paulo SP
2005 "Manoel Veiga - Primeiro Caderno de Pintura", texto de minha autoria, Galeria Virgílio, São Paulo SP
2007 "Acaso e rigor (ou da alquimia pictórica de Manoel Veiga)", Adolfo Montejo Navas, Museu Murillo La Greca, Recife PE
2009 "Manoel Veiga", Clarissa Diniz, Galeria Dumaresq, Recife PE
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Dados concretos de marcas e provedores de materiais: Fabricante de telas Fedrix (www.taramaterials.com/ArtistCanvas). Fabricante de tintas Windsor & Newton (www.winsornewton.com).