Manoel Veiga - Profundidades e Perspectivas
por Martina Merklinger
Publicado no catálogo da exposição individual na Galeria Dengler Und Dengler, Stuttgart, Alemanha, 2010.
Longos e amplos movimentos, cores em uma relação harmoniosa entre si sobre telas brancas em grandes formatos atraem o nosso olhar. Esse olhar acompanha as longas curvas, interrompe-se em quebras abruptas, buscando e logo encontrando novos arcos – na mesma tela ou em uma das próximas telas da exposição. Ao longo dos visuais o olhar encontra formas, nas quais a nossa visão interior às vezes querem reconhecer eventos da natureza como geleiras, cascatas ou até mesmo correntes sanguíneas. Em momentos nos parece que reconhecemos plantas concretas nas estruturas coloridas, às vezes até mesmo em suas sombras, que definem uma determinada espacialidade. Nessas obras, elas flutuam em vácuos. A profundidade só existe na cor, a qual a composição deixa flutuar diante do fundo branco – sem base, sem limitação, sem apoio – nos grandes formatos.
A impressão aqui descrita é típica para a maioria das telas do artista brasileiro Manoel Veiga. Ele cria em suas obras uma grande proximidade com a natureza sem retratá-la, aplicando recursos técnicos em partes encontrados na natureza ou que são emprestados dela.
O processo de trabalho inicia-se com um seleção rígida dos pigmentos conforme a sua cor e tamanho. Em geral, ele trabalha com uma única mistura de pigmentos em várias telas ao mesmo tempo, de forma que nesse período – que muitas vezes se estende por semanas – é criada uma pequena série completa em si. Quando Manoel Veiga há nove anos começou a desenvolver essa técnica, ele usava uma mistura de pigmentos por tela, mas agora ele em geral usa diversas, permitindo estruturas de tela mais complexas. Via de regra Manoel Veiga dá primeiro uma estrutura básica à tela, aplicando a tinta misturada com algumas poucas pinceladas. Essas já correspondem ao posterior movimento de vista do espectador e parece, na maioria dos casos, escura até mesmo preto profundo. O próximo passo determina o quanto o artista finalmente divulga sobre a composição da mistura de pigmentos: com um pulverizador de água comum para roupas, Manoel Veiga pulveriza uma determinada quantidade de água sobre os respectivos locais. Para isso a tela, deitada sobre o chão, deverá ter uma determinada tensão para evitar um fluxo descontrolado da cor. Quanto mais atenção Manoel Veiga dedica ao curso do líquido e quanto mais cuidado ele aplica no manuseio do pulverizador sobre a tela, mais sutis são as passagens das cores, mais discretos os movimentos, maiores as nuances e ao mesmo tempo as acentuações dos respectivos pigmentos de cor. Aqui os pigmentos maiores se apresentam mais lentos e com menor mobilidade, sendo que os menores revelam uma difusão consideravelmente maior. A clareza de algumas tonalidades de cor parecem avassaladoras em comparação com o escuro, de onde ela é proveniente. E isso ainda não é tudo: com a difusão Manoel Veiga dá uma direção às cores que se evidenciam, ele as pára, formando uma barreira rígida com um giz pastel oleoso e impermeável, estabelecendo contrapontos com outra cor ou usando outros requintes técnicos. Por mais importante que seja o acaso em todo o processo de trabalho, também a interferência permanente do artista é decisiva e indispensável para trazer o interior muitas vezes mágico da mistura de pigmentos à luz do dia nos pontos certos, orientando-o e conduzindo-o.
Destas obras parte uma fascinação que só pode ser justificada com a técnica. Os espaços de associação abertos pelas formas abertas cativam a atenção do espectador, assim como a noção dos métodos de trabalho especiais que permitem o fluxo dos diferentes materiais: o fluxo da água saturada por pigmentos em vias a grosso modo pré-definidas, um determinado controle em um terreno irregular de tela, mistura de pigmentos, água e pastel.
Nesse ínterim Manoel Veiga iniciou uma nova série de obras. Aqui se trata de trabalhos fotográficos aos quais ele, excepcionalmente, dá um nome: Hubble. Também essas obras abrem associações ao microcosmo e macrocosmo; mas aqui não se trata do mundo dos fluxos de águas terrestres ou correntes sanguíneas no corpo humano, mas galáxias e constelações atômicas. O observador vê elementos de imagem em fluxo e harmônicos que indicam grandes movimentos, assim como redemoinhos ou espirais. Chama atenção também a distribuição de inúmeros pontos. Fazem lembrar as estrelas, a névoa cósmica, também o fenômeno do buraco negro como em Hubble 10. Ao contrário das pinturas que não têm exemplos nem são retratos, essas imagens são baseadas em fotografias do telescópio espacial Hubble. Claro que não se trata de simples retratos, mas ao contrário, de resultados de etapas de trabalho complexas, no início das quais há uma seleção das fotos originais do Hubble. Manoel Veiga seleciona determinados recortes dessas famosas fotografias, remonta-as no computador e realiza um processamento eletrônico para obter um resultado total harmônico. Ao contrário das apresentações científicas das fotografias do Hubble, Manoel Veiga dispensa em sua interpretação a coloração mantendo a escala de cinza com as poucas cores fracas dos originais do Hubble. Não obstante, ele ainda elimina a coloração restante até mesmo invertendo as tonalidades de forma que se mostra escuro o que anteriormente era claro e preto o que anteriormente era branco.
Manoel Veiga criou com os seus quadros Hubble composições que se assemelham às suas obras acima descritas. São a dissolução consequente do espaço e tempo por parte do artista que se permite reunir diferentes espaços e tempo. São desligados completamente, os elementos são retirados de seu contexto real, recebendo uma nova atribuição somente devido à sua forma externa. Aqui são criados espaços e galáxias de fantasia, que não têm mesmo semelhança com as fotografias do espaço. Até mesmo com o conhecimento da compilação fica quase impossível reencontrar os exemplos nas fotografias originais do Hubble.
Não é por acaso que Manoel Veiga desenvolveu um interesse especial na fotografias do telescópio espacial Hubble: As ciências, especialmente a física e a química fazem parte de sua vida como a pintura. Tanto a ocupação com as denominadas ciências exatas como a pintura e o desenho são praticados por Manoel Veiga já desde os tempos de escola. Em 1985 ele ingressou na profissão de engenheiro, da qual ele, apesar do sucesso, desistiu em 1994 para se dedicar exclusivamente à pintura. Seu interesse científico persiste.
Que obras astronômicas pudessem se tornar parte de sua arte está, por um lado, relacionado à sua pintura, às obras para as quais o conhecimento de processos químicos e físicos é existencial. Pois Manoel Veiga nunca teve uma formação tradicional de pintura, ao contrário, é a formação clássica de engenharia que fornece a estrutura necessária à sua arte. Por outro lado, há aproximadamente seis anos ele utiliza cada vez mais a própria fotografia como meio artístico. Além disso, há os famosos quadros do Hubble, cujas paralelas à própria arte já o motivaram a algum tempo a integrá-las em sua arte.
E essa mistura que ultrapassa em muito a mistura dos pigmentos, é permitida pela arte de Manoel Veiga, que pretende retratar a natureza, mas só usa os seus recursos, imitando-a sem retratá-la.
A natureza em uma obra artística tem uma longa tradição, mesmo na história da arte no Brasil. Há as famosas naturezas mortas, produzidas pelo pintor holandês Albert Eckhout no século XVII, considerados os primeiros exemplos de natureza morta no Brasil; são conhecidas as pinturas das exuberantes paisagens tropicais, tanto pelo seu contemporâneo e compatriota Frans Post, como também pelos artistas brasileiros que por muito tempo de orientavam na arte da Europa. Também os trabalhos “conforme a natureza”, que não são obrigatoriamente um retrato realista, podem ser encontrados novamente na arte brasileira. Especialmente com o início do modernismo nos anos 20, que declarou uma desistência do academismo rígido, e com os museus e as instituições de ensino modernas a partir dos anos 40 foram abertos muitos caminhos na arte. Pensamos somente nos experimentos apaixonados de Tunga, que trabalha com os mais diversos materiais para a construção de seus objetos, no uso consciente do tato e das sensações na obra de Lygia Clark, ou nas enormes esculturas, por exemplo, de madeiras achadas do artista polonês-brasileiro Frans Krajcberg, que dedica toda a sua obra conscientemente à natureza. A natureza foi sempre um aspecto importante na arte brasileira, tanto para a inspiração como para a sua pesquisa. Manoel Veiga soube unir ambos da melhor forma.